terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Adeus ao "em off"


Antes de o ano terminar, mais um fato explosivo: o vazamento de informações confidenciais pelo site Wikileaks, comprometendo as relações diplomáticas de diversos países e causando muitas saias justas, inclusive no Brasil. Não tenho opinião sacramentada sobre o assunto. Um lado meu tende a aplaudir que informações de trincheira venham a público, já que o que é tramado por organizações governamentais interessa a todos. Mas admito que há um certo idealismo nessa afirmação, pois dificilmente conseguiremos destituir o poder do “em off” no universo cavernoso da política. Já aqui fora, o “em off” desapareceu de vez.Outro dia, assisti a uma reportagem em que se falava da invenção de uma touca de eletrodosque, ao ser colocada na cabeça, emite sinais ao cérebro do usuário, possibilitando que ele acione comandos através da força do pensamento. Aposto: num piscar de olhos, será patenteado e vendido nas Americanas. Enão vai parar aí: as pesquisas avançam, e logo será possível ler os pensamentos de outraspessoas. Nada pode ser mais invasivo, considero um atrevimento até para com os criminosos. O pensamento é o único reduto de liberdade e privacidade que nos resta. O dia em que pudermos ler os pensamentos uns dos outros, acabou-se todo o mistério da vida.Imagino que o mercado de trabalho dos detetives não esteja fácil. Quem precisa contratar os serviços de um profissional na era do Facebook e do Twitter? Ninguém faz mais nada escondido. E se fizer, câmeras estarão filmando a criatura desde o momento em que ela sai pela porta de casa, entra no elevador, cruza a garagem do prédio, circula pelas ruas e chega ao escritório, sem falar na fiscalização dentro de bancos, restaurantes, boates, lojas, agências lotéricas e igrejas.Igrejas, sim. Não duvido.Além disso, você pode ser filmado enquanto faz sexo e pode ser fotografado por algum celular enquanto tem um ataque epilético na rua. Vai tudo para o YouTube. Todos sabem o que você fez no verão passado e no minuto que passou também.É um mundo mais seguro, reconheço. E mais rápido. Perder tempo é um esporte que ninguém mais pratica. Dar uma sumida, então, nem pensar. Não existem mais portas, não existem mais paredes. Alguém sabe exatamente onde você está, com quem e em que está pensando. Se não sabe, você mesmo irá contar.Julian Assange, o criador do site Wikileaks, justifica a revelação de documentos confidenciais com o argumento de que tem “aversão a segredos”. É uma frase que parece heroica, mas me apavora. Tudo agora é rastreável: não existe mais o secreto, o particular, o reservado. Estamos dando adeus à matériaprima da poesia, do sentimento, da introspecção, do delírio e da liberdade. Optamos por viver todos atados uns nos outros — curiosamente, com tecnologia wireless.


(Martha Medeiros)

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